London - Black Leather and Alchool!Este é um texto sobre cultos e paixões. Quem estava à espera de um guia de Londres... pode saír!
Faltavam poucos minutos para as sete da noite. Na "Britânia" é a hora para a abertura das "hostilidades". À porta do The Legion (bar que demorou algumas horas a ser localizado por entre as escuras ruas da capital britânica) ouço um som familiar... uma forma de tocar guitarra inconfundível, até de quem não tem muito jeito para aquilo, e uma inquebrável insistência no acorde de ré maior. Através do vidro da porta de entrada observo, ao fundo,
Jim Reid em pleno "sound check" acompanhado de Phil King, antigo baixista dos Lush.
Lá fora, apesar do frio, formava-se uma fila de dezenas e dezenas de impacientes fãs ou simples curiosos. À minha frente apenas um casal com aspecto duvidoso. Mais atrás três "britgirls" que acabavam de travar conhecimento entre si. Por entre vários temas de conversa que, inevitavelmente, os meus ouvidos captaram (não são só as espanholas que falam alto), ouço com "very british accent" um "I love Jim Reid"... ok - pensei - este pessoal anda todo ao mesmo e ainda bem!
A comprovar que a pontualidade britânica é falível, passavam já vários minutos das sete da noite(hora marcada para o início do evento) e a porta permanecia fechada.
Entretanto, no hall de entrada, atrás da porta de vidro, surge uma figura que prende todas as atenções: Jim Reid, mais velho do que nas fotos que ao longo dos anos me habituei a gastar com o olhar, com uma pose mais soft, um visual mais sóbrio, com óculos e... a falar ao telemóvel. Alguns minutos volvidos e a porta abre-se. Do bar sai Jim Reid que passa bem perto da multidão que entretanto se tinha aglomerado à porta. Passou com a sua "fuck you atitude", como um simples mortal (que sempre foi) e como se não fosse a figura da noite (viria a ser, de facto, por variadíssimas razões).
Finalmente a porta abriu, definitivamente, e o povo impaciente lá pôde entrar.
The Legion é um bar estreito, comprido e mal iluminado. Ao fundo, no palco improvisado nada havia que identificasse a proximidade de um concerto do ex-vocalista dos Jesus and Mary Chain. Na parede ao lado, junto ao DJ, duas fotocópias aumentadas de um retrato de John Peel, o maior divulgador da história da rádio (faleceu há um ano). De repente alguém se encarrega de trazer uns balões com umas fitas prateadas. Dezenas de balões colados ao tecto. Que merda é esta? - pensei eu - paguei 5£ para entrar numa festinha de garagem?
Uma rápida consulta pela tabela de preços foi suficiente para perceber que a noite não dava para extravagâncias. Um eventual spot do evento até poderia ser "Veja Jim Reid ao vivo pelo preço de um fino"!
Lentamente o bar ìa enchendo. Com uma lotação oficial de 285 pessoas, por aquele espaço naquela noite, terá passado quase meio milhar... não é brincadeira. Lá dentro, o calor apertava e provar o refresco alcoólico inglês a que eles chamam "beer" foi inevitável.
O som que parecia destruír as colunas era o ideal. Indie Rock de guitarra encostada ao amplificador, ritmos simples, aceleração quanto baste... poeira sónica imprópria para tímpanos habituados aos tops comerciais.
Por entre os "indiemaniacs" era visível muito "leather jacket" dos bons velhos tempos. Eis que de repente um me dá um encontrão. Situação que motivou uma simples e portuguesa reacção: és um bom filho da puta! O rapaz, que naturalmente não entendeu a lusa agressão verbal, lá seguiu, indiferente, o seu caminho. Enquanto isto, atrás do palco onde tardavam os protagonistas da noite, um ecrã transmitia por ordem cronológica os videos do Jesus and Mary Chain. Tudo estava perfeito!
Cigarro atrás de cigarro seguido de pequenas incursões na Stella (é o nome do refresco alcoólico inglês) surgem no palco os Morning After Girls, a primeira banda da noite. Surpresa das surpresas, um dos vocalistas é o fulano que me havia dado o encontrão. Fixe... já o insultei.
Morning After Girls é uma excelente banda australiana de que falarei futuramente neste blog.
Terminada a enérgica actuação dos australianos com um "enjoy Mr. Jim Reid", a ansiedade entre os inúmeros "indie & marychainmaniacs" subia de tom.
Muitos algomeraram-se furiosamente à frente, outros subiram para um sofá cujo fim de prazo de validade estava próximo. O tom negro das roupas e alguns penteados versão "80's - vinte anos depois" imperavam entre o público quando um burburinho à porta chama a atenção.
Por entre o povo surge Jim Reid. O longo e aparentemente penoso trajecto até ao palco foi acompanhado de centenas de olhares de deslumbre, surpresa e sei lá mais o quê. Bem à minha frente um alcoolizado anónimo britânico agarra Jim pelos ombros que, por sua vez, se desequilibra. Só não se estatelou no chão porque a multidão à volta impediu. Mais uns longos segundos e o "brotherzinho" lá subiu ao palco... a muito custo diga-se!
De Gibson nas mãos, acompanhado por um gigante guitarrista com ar "rebarbado" e por Phil King no baixo, Jim interpreta um tema para mim desconhecido mas que muitos também vocalizavam. O som não estava famoso mas o ambiente era irrepreensível.
Ao segundo tema, "Back on the Water" (esse sim já conhecia), percebeu-se que esse "regresso à água" era já demasiado tarde. "I'm back on the water, but the sun doesn't shine", e não podia... nem o sol nem o Jim Reid, tal era a carga etílica.
- "Stop, stop"! O grito imperativo do escocês impediu a continuidade do despilfarro sonoro. Palmas emocionadas...
- "Guitar, guitar... Guitar, guitar! Atribuír culpas à guitarra é fácil... Uma nova guitarra surge nas mãos do já embaraçado escocês. Os acordes seguintes soam ainda pior. Mais palmas!
- "Oh fuck you Elvis!"A conclusão é simples. O alegado inventor do rock'n'roll é o culpado da figurinha que Jim está a fazer em palco. Se o rock não tivesse sido inventado ele não estaria ali.
- "You're fuckin' patient!" - Mas alguém está incomodado com alguma coisa? Jim parece não perceber o aplauso vibrante e sai do palco. Ninguém arreda pé. Jim regressa após dois minutos de intenso feedback proporcionado pelo guitarrista "rebarbado"! Há uma nova tentativa. A voz de Jim Reid é intercalada por fortes gargalhadas do próprio. Mais uma paragem.
- "Come on! One on my own!". Os outros dois músicos são expulsos do palco e Jim toca sozinho um tema de Keith Moon. O ultra-embriagado escocês despede-se com um vago:
-"One thing I would like to say is... John Peel man, John Peel! I loved him"!
Duas músicas e dois meios temas. Assim se resume o concerto de Jim Reid no The Legion em Londres.
"Who wants to ear another song from Mr. Jim Reid?" ouve-se nas colunas. Toda a gente... mas alguém sabe onde ele está? Não. Um dos organizadores do evento sobe ao palco, apodera-se de uma das guitarras e toca Never Understand dos Jesus and Mary Chain. O público vibra com aquele recado a Jim Reid, aquele que nunca percebeu que por mais fodido que esteja ninguém ficará melindrado.
A distorção voltou às colunas, a festa continuou, o moche começou. Ninguém estava aborrecido...
I love Rock'nRoll!
Nota: o evento a que me refiro neste post foi o John Peel Day. Uma homenagem ao locutor da BBC que faleceu há um ano e que foi o grande impulsionador e divulgador do rock alternativo, e não só, britânico.